terça-feira, 13 de março de 2012

Agora é madrugada e todos dormem. Como sonâmbula ainda insisto na presença de minha aurora,  pois o silêncio que se fez em mim a essa hora sacraliza minha existência de uma espécie de sonho brando, macio e úmido.Meus olhos reluzem na sombra das vozes roucas que acalantam os versos ocos  de minhas partidas, entre a garganta.Só agora, transcorridos tantos anos de minha presença surda em meio às copas vazias, dormito miúda e frágil, e como passarinho mudo acaricio a penugem do sereno nessa rua deserta e distante de buzinas e alaridos de infância.
Da janela vejo o semblante das pedras, o perfil exangue das casas, a estupidez férrea das chaminés .   Posso , ainda que tênue,  tecer no escuro  das  teias remotas de minha memória  os finos fios das sedas entre os corpos caídos, cansados pelo frenesi dos dias turvos.Os lençóis amarrotados de ausência e sono.
Aqui, o quarto ainda morno pelos afetos fulgazes  de outrora, sustenta nas paredes caiadas  a brancura cálida das peles quando expostas ao sol. Por hora, ainda pressinto um traço de réstia entrando pelas frestas , invadindo as persianas, escarafunchando as gavetas e suas orações.
Um ponto luminoso e  longínquo entrevejo no vasto  horizonte , quando cai ainda mais a madrugada.Feito  um raio atravessa a noite soturna e rasga meu peito como uma estrela cadente.
Muitos dias ainda terei que esperar, noites inteiras, até  que as vestes translúcidas que cingem meu corpo transmutem , e eu me sacie por inteira  de pão e vinho, e néctar e âmbar, e diamantes e depois...ah,  outra coroa de espinhos !

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